Cansado de ser a piada de certa comunidade, um vampiro decidiu sair da cidadezinha onde vivia desde que ainda era vivo. Afinal a vida era difícil para alguém com os seus problemas e não precisava dos outros vampiros rindo por suas costas, e nunca gostou de ser motivo de chacotas.
Desde criança nunca foi muito lúcido, sua mente sempre lhe pregou peças, como na vez em que pensou que podia voar e acabou pulando de sua casa na árvore lhe rendendo uma vistosa cicatriz na testa que carregará pela eternidade. Ou quando pensou que a roupa do palhaço em sua festa estava em chamas, certamente um vexame para a família. Trancafiado em um sanatório, vivendo sobre a influência de remédios passou sua juventude, quando em uma tentativa de fuga acabou nos braços de um vampiro que simpatizando com sua causa lhe transformou em um ser da noite.
Depois de se tornar um morto-vivo, seus problemas ficaram mais sérios, de pequenos casos isolados, sua perda de lucidez começou a se tornar freqüente e uma voz sempre falava em alto e bom tom dentro de sua cabeça, além é claro dos eletrodomésticos e animais com os quais conversava.
Viveu sua vida como um homem do interior, não conhecia muito sobre as coisas fora de sua cidade, mas o desejo de ver grandes coisas sempre o tomava em sonhos mirabolantes, assim decidiu ir para a maior cidade que encontrasse no caminho.
Viajar a noite era fácil e tranqüilo além de ser muito simples de se alimentar, afinal hospedarias sempre estão cheias neste horário. Era um vampiro que não gostava da caçada, talvez por que ideia de perseguição lhe dava arrepios afinal sempre sentia que alguém o observava, provavelmente coisa da sua cabeça. Alimentava-se principalmente de pessoas adormecidas, idosos ou crianças, em geral bebia sangue de pessoas sem reação e vivia como um parasita. Seu estilo de vida era fortemente criticado por outros vampiros de sua localidade que sempre caçoavam dizendo que talvez um dia uma velha acordaria e o atacaria com sua bengala, gargalhadas sempre surgiam nessa hora.
Bom foi numa das primeiras noites de viagem que aconteceu algo inusitado e que estranhamente mudaria a sua não-vida. Entrou em uma pequena hospedaria dessas de beira de estrada, lugar bem sujo e acabado, foi ate o primeiro quarto que encontrou e abriu a porta, na cama estava deitada uma jovem de longos cabelos negros e tinha uma estranha mania de falar ao dormir. Encantado seus olhos regozijavam tamanha sorte de encontrar em lugar tão desolado uma criatura tão bela. A voz em sua cabeça dizia para ele sugar o pescoço da jovem, sua sensatez lhe dizia que havia uma enorme chance de algo dar errado, ele era um vampiro de pouca idade não sabia fazer coisas como hipnotizar alguém, então se a jovem acordasse seria um pesadelo. Mas como de costume sua sensatez não foi capaz de pará-lo e a voz da loucura comandava novamente. Lentamente foi escondendo sua presença e se aproximando do corpo da garota, um leve toque em seu rosto de pele macia e impecável simetria fez suas presas se mostrarem, tratou de fazer logo o que tinha que fazer e cravou suas presas no pescoço da dita cuja. Mas quando os sentidos nos dizem que algo vai dar errado é melhor ouvi-los, a garota se levantou da cama gritando em desespero, sem saber o que fazer o vampiro tratou de se esconder rapidamente, a garota meio sonolenta ainda disse em alto bom tom para que quem estivesse com ela no quarto se mostrasse, e que não tivesse medo, pois ela não era nenhum tipo de fera. A beleza fala alto em certas situações e ele foi se aproximando da garota aos poucos, com medo do que ela acharia de sua aparência pálida e sua cara de morto, estranho ele pensar assim afinal era um morto. Então ao se aproximar da moça ela mandou-o sentar na beira a cama próximo a ela que foi falando com sua voz suave:
_O que é você? Sei que não pode ser como eu ou qualquer outra pessoa, eu te vi nos meus sonhos antes de acordar!
Acontece que a mente do vampiro havia entrado na mente da garota e a feito sonhar com ele mesmo, somente a voz na sua cabeça para fazer tal coisa. Lerdo e péssimo pra lidar com pessoas como sempre foi não conseguiu dizer uma só palavra, irônico um vampiro tímido. Nunca esteve tão perto de uma mulher tão bela, melhor dizendo nunca esteve tão perto de mulher alguma fora sua mãe e as enfermeiras do manicômio onde passou sua adolescência. A garota com toda sua delicadeza passou a mão pelo rosto do vampiro bem devagar enquanto olhava no fundo de seus olhos, após anos sozinho era a primeira vez que alguém lhe tocava a pele, a voz na sua cabeça disparou a dizer coisas loucas e sem sentido. A garota levemente se aproximou e beijou o vampiro, nunca uma mulher havia o beijado antes, a voz na sua cabeça se calou. E por alguns segundos o vampiro se sentiu vivo novamente.
Eu gostaria de ficar por aqui e dizer que tudo terminou bem e que o vampiro viveu feliz, mas na manhã do dia seguinte um grupo de pessoas encontraram em uma casa abandonada em meio a mata um corpo pálido, parecia um homem morto, certamente era um homem morto, ao carregarem o corpo do vampiro para fora, sob a luz do sol sua eternidade teve fim !
Nada é eterno, toda forma de imortalidade na verdade é apenas uma trapaça contra o tempo. A mente do jovem vampiro ficou em um silêncio enlouquecedor, a ponto de qualquer um implorar para ter as vozes falando novamente.
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