Contos Sombrios


Não tem palavras que descrevem a solidão da noite sem fim, não tem sentimentos fortes o suficiente para sobreviver ao terror do tempo.
Do sangue eu vim e ao sangue devo retornar, sempre rodeado de terror e escuridão. A noite me fez assim e assim me entreguei a ela com toda ferocidade de meu interior bestial. Durante os séculos que vivi, mortes cercaram meu caminho. Matar é sobrevivência e por capricho também é o maior prazer que se pode obter dentro deste corpo amaldiçoado, me julgue como quiser você não pode imaginar.
Apenas uma forte marca na existência pode mudar a vida de um amaldiçoado - vida? não vivemos - muitos não conseguem lidar com a solidão e deixam-se entregar ao lado da fera, vivi assim por muitos anos até que a forte cicatriz surgiu em meu caminho.
Seu nome era Elizabeth e incrivelmente ela andava sozinha nas ruas de uma Paris dominada por seres como eu, fato raro, naquele tempo todos sabiam dos perigos que vinham das sombras. Eu pude sentir sua presença impactante e seu cheiro incomparável imediatamente, não resistindo segui pelas ruelas e a surpreendi . Elizabeth era uma jovem inocente e tão pura, capaz de deter todos os meus instintos, seu olhar penetrante percorreu todo meu corpo e me paralisou. Porém sua inocência existiu por poucos segundos e o olhar puro logo se voltou a um olhar tão frio como aquela noite, era uma amaldiçoada, logo eu estava ao seu colo sentindo seu cheiro e não me importando com nada, não me pergunte sobre como cheguei a isso, apenas me lembro de estar ali. Uma calmaria jamais sentida tomou conta de mim e por poucos segundos me senti diferente, talvez vivo, mas a morte sempre acompanhando meu caminho me surpreendeu com as presas de Elizabeth rasgando minha pele e entrando em meu pescoço. Naquela noite eu era a presa. Sentir sua essência sendo sugada mostra que no fundo de um poço sem vida existe uma vontade de continuar, sim, ela me mostrou isso quando me deixou ali jogado ao chão sem conseguir me mexer, somente um fio me separava da verdadeira morte, e isso, isso mudou tudo. A besta não mais dominava meu corpo, era como se aquele sangue que foi sugado de mim tivesse levado a minha maldição junto com ele. Nunca mais a vi mas sempre ouvi lendas de um imortal sugando sangue de outros, sempre contos sobre uma mulher de olhar frio e sedutor, sempre nas ruelas de cidades infestadas.
A besta me deixou mas um preço foi exigido, a noite se tornou maior, a solidão ficou tangível e eu podia sentir meu peito rasgar em sofrimento e apodrecer ao sinal de abandono, a fera era o que mascarava meu ser, ela trazia um animal a tona e trancava o lado humano. Liberar o meu ser do destino de matar irracionalmente trouxe ao mundo um ser deteriorado com sentimentos errôneos e mal traduzidos que matava e sentia remorso, algo ruim para alguém que está sozinho durante séculos. Por décadas vaguei, embriagado de sangue inocente, sentindo meu peito chorar por meus atos, lembrando do olhar de cada vitima e da luz que se apagava em seu ser. Me enchia de culpa mas não parava. Não me sobrou mais nada além de esperar a noite terminar e assim poder ver o sol nascer novamente, apenas uma vez, a última vez, sim, sentir o calor do colo novamente...
As marcas deixadas pelos anos, a vastidão do ser e a dor de uma vida solitária talvez acompanhem sua existência como acompanham a minha, mas tenha em mente que mesmo um sentimento ruim é um sentimento e que estar preso a uma máscara pode te cegar ao ponto de se tornar mais animal do que homem, mais fera do que ser. Não jogue pás de mentiras em cima do que você é, não cubra uma emoção com um pano fino e nunca deixe de sentir sua essência

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Washington da Silva Pacheco. Tecnologia do Blogger.