Acordei em um beco estranho, subúrbio da cidade, lugar nojento,
parte da metrópole que não se mostra a pessoas como eu, não durante o dia, não
nessas condições. Pedaços de lembranças desconexos se encaixando de forma turva
em minha mente, não sabia de onde vim, o que aconteceu, pior sensação possível.
Minha visão embaçada me guia através daquele bairro mal
cheiroso, a podridão havia se alocado ali a muito tempo e jamais saiu, o que a
metrópole não quer. Saio daquele lugar horrível com uma sensação ruim no peito,
a vista da janela do trem me mostra que não acabou.
Pego no sono. Me vejo em um corredor mal iluminado, lugar
bizarro, correntes nas paredes, manchas de sangue no piso e uma musica
excruciante toca ao fundo. Meus sentidos estão aflorados, o toque parece
mágico, sinto fortemente cada nervo do meu corpo, vejo cores nunca antes
interpretadas, meus olhos captam uma beleza secreta, mesmo naquele lugar. Uma
mão me guia por todo corredor, não vejo quem é, seu toque era quente. Acordo,
uma senhora me pergunta se estou bem, respondo que sim e me foco na janela,
ainda estamos longe de casa, o subúrbio choca a cada quarteirão, pessoas
jogadas na rua, apartamentos abandonados e amarrotados de pessoas vivendo de
forma desumana - essa palavra não tem poder por aqui - a esperança abandonou
essa gente. Meus olhos não desgrudam da janela. Outro lapso, agora estou
deitado em minha cama, ao meu lado está o relógio dizendo que outro dia
monótono chegou ao fim, dizendo que mais uma vez minha vida está sendo jogada fora,
escancarando na minha cara que eu estava morto por dentro. Viver não é apenas
existir. Já me conformei, a vida é essa, eu era parte do plano. Na metrópole
todos eram parte do plano. Durmo um mal sono, sou acordado no meio da noite com
o homem do telejornal dizendo as mortes do dia, aquilo já não me abalava mais,
a metrópole cobra seu preço e alguém tem que pagar, talvez amanhã fosse minha
vez, desejava profundamente que esse dia chegasse. Toc Toc, quem é? É a morte!
Não, infelizmente não era, mas a terceira batida me instigou a abrir a porta.
Um homem sem face me faz perguntas que não entendo, perco o controle do meu
corpo.
Enfim a podridão sai de cena e fica longe dos meus olhos.
Apesar de tudo ainda tenho um longo dia dentro de um abafado escritório, o
trabalho era tão robótico que eu não tinha mais certeza do que fazia ali. Uma
jornada de oito horas diárias, que as vezes chegava a marca de quinze ou vinte
horas para receber um salário e não passar fome ao fim do mês. Essa era a
realidade de quase todos na cidade. Eram concedidos quinze minutos de descanso
para os empregados - grande piada - me encosto na sacada do prédio e caio
novamente no limbo. Estou ofegante, correndo por ruelas e guetos, meu coração
palpita e parece que vai explodir, não sinto nada e um silêncio acalma meus
pensamentos, apenas aproveito a sensação. O homem sem face corre ao meu lado,
aquela figura macabra não me assusta, as sombras parecem me engolir e era muito
confortável estar ali. O homem para e indica que vamos parar. Entramos num
velho prédio, andamos por um tempo. Era um galpão abandonado e no centro havia
um sofá enorme e uma mulher sentada nele. Nunca vi beleza tão grande em toda
minha vida, sua presença era grandiosa, era possível sentir seu olhar
penetrando a alma, pegou em minha mão e seu toque era frio. Sem perceber fui ao
seu colo. Era frio como suas mãos. Eu não ouvi o que ela disse, apenas senti.
Acordo com o gerente do setor aos berros dizendo baboseiras
sobre dormir e ser demitido, dou de ombros e volto ao trabalho, vejo o ódio em
seus olhos. Pessoas não gostam de ser ignoradas, principalmente quando estão em
uma posição acima. O trabalho segue massacrante, meus olhos fundos hoje estão
com mais olheiras do que o normal, me vem a vontade de jogar tudo pro ar, me
demitir, começar de novo. Pensei o mesmo ontem, e antes, e antes, e antes...
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