Contos Sombrios


Digamos que a noite sempre surpreende aqueles que a subestimam, e também aqueles que a superestimam. Digamos que a cidade sempre vai surpreender a qualquer um.
Nunca pensei que essa selva de pedra, solitária, amontoada de dor e julgamento, fosse fazer florescer algo tão belo quanto nossa imortalidade vinda da escuridão. Não creio que coisas belas venham da luz, afinal não sei mais como é a luz de uma manhã, já se foram tantos anos desde que vi um amanhecer.
Nem sempre vivi por aqui. Os velhos castelos, antigas cidades e montanhas isoladas eram meu lar antes de encontrar essa terra. Neste lugar mágico encontrei a verdadeira faceta da minha existência, e acredite em mim ela não é nada bela. As noites não são monótonas num lugar tão agitado, nunca se está entediado por aqui, e acredite em mim, tédio é tudo que lhe resta após alguns séculos.
_Nesta noite venho ate você. Para lhe contar uma historia? Não se iluda, não estamos falando de um roteiro de cinema. Nesta noite irei tirar sua vida. Não chore, você vai ver que a vida é tão fina e leve quanto um fio de cabelo e que não é nada doloroso romper este fio. Fique comigo até o fim dessa noite e me diga se prefere viver ou morrer, confesso que não vai fazer diferença, mas convido-o a tentar. Foi o que disse a fera a sua presa.
Vagarosamente foram os dois ao beco antigo e podre do bairro ao norte do centro. No beco havia uma porta e nessa porta um imenso homem de terno segurando um bastão. Lhes deu passagem, não fez perguntas. Dentro do lugar funcionava uma espécie de clube. Era uma casa noturna para gostos como posso lhes dizer, “exóticos”. Pessoas iam ao local para sentir a presa da morte cravando em seus pescoços, sugando o que lhe corre pelas veias, deixando apenas o leve fio que envolve a vida e a morte. Apreciavam sentir essa emoção, quase morrer, engraçado como a cidade incita esse tipo de coisa.
Sentindo um medo tão infinito, ele não conseguia correr ou mesmo se mover, só seguia a besta sabendo do seu destino, era inevitável. Dentro da casa noturna, havia uma pequena sala dentro de uma pequena sala, e no fim dela havia uma porta, essa porta dava para o salão principal de um grande e conhecido hotel da cidade. Seus olhos mal conseguiam acreditar no que viam. A besta seguiu andando pelo Hall do lugar e se encontrou com outra pessoa estranha e enigmática, foram aos aposentos do vigésimo andar. Uma reunião ali se iniciava, pessoas estranhas em velhos ternos, com rostos pálidos e pele branca, fumando grandes charutos e bebendo uma bebida vermelha e viscosa. Discutiam política, esportes, economia, tudo que tinha influência na vida comum da cidade foi dito dentro daquela sala, ele não sabia quem eram, mas sabia que eles mandavam naquela metrópole.
Saíram da reunião e foram ao porto, dizia a besta que um encontro havia marcado ali. Uma linda jovem surgiu, cabelos negros, longo vestido, linda. A besta não lhe disse uma única palavra, puxou-a pelo braço, mordeu seu pescoço. Ele nada pode fazer. Pobre garoto não podia salvar nem sua vida quem dirá uma vida alheia. A garota foi embora aparentemente fraca enquanto a feição da besta mudava de um velho e moribundo homem, para um jovem e apresentável rapaz.
A besta veio até ele, lhe ofereceu a mão, enquanto dizia que poderia lhe dar outra vida, dizia que poderia ser imortal. Não acreditou, gritou pela primeira vez desde que foi abordado, esforço inútil. A besta cravou suas presas no pescoço do rapaz que viu sua vida se esvaindo em questão de segundos. Como num urro de terror, uma mistura de dor e compreensão, ele gritou dizendo.
_Faça!
A besta não hesitou em tirar cada gota de sangue do corpo daquele jovem. Enquanto a morte se apoderava do garoto outro lado da mesma moeda lhe dava nova vida. Uma gota de sangue em sua boca e o beijo de um imortal em sua alma. Renascido, dentro de poucas horas acordaria com uma grande fome e muitas perguntas.
A cidade sempre linda, metrópole de muitas facetas. Para quem vive na escura e velha face deste lugar uma noite pode ser tudo como também pode ser nada. Uma noite é tudo que temos pela frente, sim e talvez não, a imortalidade é uma benção carregando uma maldição, pois o tédio, ele acaba triunfando no final tudo.
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Dizia ela pelo amanhecer de nossa noite que naquele dia em particular iria procurar um homem de pele escura e olhos azuis, excêntrico eu disse a ela.
Saímos do covil quando o sol já não fazia parte do dia. Fomos ao velho e caído clube de sempre, tomamos as mesmas bebidas mórbidas e caídas que tomávamos todas as noites e voltamos a olhar ao redor a procura de carne fresca, afinal a diversão ainda estava por vir. Ela sempre gostou mais da diversão do que eu, sempre fui mais careta, só me alimentava e não aproveitava muito o “momento”. Ela dizia que eu parecia um velho ancião que se cansou da noite e virou uma barata em um velho castelo no antigo continente. Isso não me afetava muito, de certa forma era verdade, minha alma era velha mesmo antes de eu ser banido da luz do dia, uma antiga alma em um corpo jovem, coisa feia, uma criança ainda com tanto pela frente, mas não fazia muito para aproveitar sua inocência. Quando fui trazido à escuridão ainda era jovem, apesar de não ser um exemplo de vontade tinha meus objetivos, eu era um jornalista, bom eu era um estudante de jornalismo.
Saímos do bar, acompanhados, duas lindas jovens, cabelos pintados e roupas transadas. Fomos ao beco atrás do bar, supostamente para darmos uns amassos. Eu não gostava de fazer aquilo daquela maneira, era mecânico e grosseiro demais, mas ela dizia que era o jeito mais fácil e limpo de se fazer. Deixamos novamente duas pessoas em um beco, sem saberem o que lhes aconteceu e como cortesia uma forte dor de cabeça no dia seguinte.
A cidade era linda a noite, e sempre receptiva a quem gosta de ousar, acho que a definição de metrópole encaixa bem nessa cidade. Não era minha terra natal, sou nativo de um lugar muito além dessa selva de pedra, cidade pequena, interior eu acho, nunca me importei muito com isso.
Ela insistia na história do homem negro de olhos azuis, embora eu alertando que seria perda de tempo. Fomos a uma boate na zona central da cidade, lugar badalado, sempre rondado por um ou dois de nós, sempre cheio de pratos fáceis e refeições rápidas, perfeito para quem gostava de discrição. O segurança era conhecido e amigo próximo dela, sempre foi receptivo e nos deu passagem ao clube. Ela sempre animada, para alguém à tanto tempo na noite ela parecia mais como uma criança numa loja de doces, não uma idosa como deveria, nesse ponto nossas almas eram invertidas, dupla estranha? Também acho.
O interior do clube tinha um clima pesado, músicas desconexas e iluminação fraca davam ao lugar o estilo gótico que virou moda, por essas bandas, jovens se trajavam de preto, látex e couro faziam parte do visual, maquiagem pesada e um gosto exótico, eles se achavam seres da noite, pobres coitados não faziam ideia do que lhes rondava escondido nas sombras. A vontade fala mais do que a razão hoje em dia e aquele lugar incitava o querer e deixava de lado o pensar. Logo que entramos, dois garotos com brincos pelo rosto e alargadores bizarros nas orelhas começaram a nos farejar, sim eles vieram nos cheirando, achei estranho, mas ela como sempre adorou aquilo. Foi logo dando um beijo na boca de um deles, o garoto ficou em choque, penso que ele em toda sua pose nunca imaginou que algo assim viesse a ocorrer.
Fomos ao centro da pista, a música não agradava aos ouvidos, pareciam gemidos ao som de batuques indígenas, mas ela gostava e queria dançar, eu como de costume não sabia dizer não, então dançamos por algum tempo, coladinhos, como amantes, mas não se engane, nossos corpos são gelados, e não é exatamente agradável ao toque.
Ela foi puxada pelo ombro, quando me dei por conta, já estavam longe. Acompanhada do dono da casa noturna, subia as escadarias para o segundo andar do local, segui andando na direção deles, mas algo mais interessante me chamou a atenção. Era um casal vestido em roupas comuns, tinham cara de ser bem monótonos e não combinavam nada com o clima do local, fui em direção deles e pude perceber a mulher suspirando e se contorcendo por me ver, não poderia ser por outra pessoa, ela olhava no fundo da minha alma. Fui até ela, muito mais por instinto do que por razão, eu disse que o lugar instigava. Ela suspirou fortemente quando sentei ao seu lado, o marido não disse nada, ficou estático me olhando, parecia querer um pedaço também, não demorou muito, saímos da casa noturna, fomos em direção a casa deles. Não chegamos até o local é claro, tudo foi consumado dentro do carro do casal, em um gueto da cidade, lugar pouco trafegado. A mulher, eu não pude resistir ao toque e ao perfume que exalava e que para mim era tão amplificado que exaltava a sua beleza interna e escondida por um casamento fracassado. O homem não queria perder a brincadeira, então tive que fazê-lo sentar e esperar. O prazer de beber o néctar é diferente quando você se envolve com a presa, não tratando apenas como comida. É uma experiência raramente aproveitada por meus semelhantes.
Deixei os dois desacordados e confusos no carro e voltei pro clube, ela estava de novo na pista, agarrada a um jovem mulato de olhos azuis que brilhavam e refletiam a fraca luz do recinto. Ela havia conseguido novamente, sempre me questionei como ela fazia aquilo.
A noite terminou como qualquer noite para nós, saciados. A metrópole nos oferece tudo que precisamos e isso se comprova no numero de gente como nós na cidade. A noite cedia e dava lugar a luz do sol, era hora de voltar para o covil antes de virar frango frito, melhor dizendo morcego frito.
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Washington da Silva Pacheco. Tecnologia do Blogger.